Como diriam os Titãs “Família, família, papai, mamãe, titia” ou, como narra Todd Parr, “algumas famílias são grandes, algumas famílias são pequenas, algumas famílias são da mesma cor, algumas famílias são de cores diferentes, algumas famílias moram perto, algumas famílias moram longe”.
Seja na canção, nas histórias e ou nos estudos científicos, uma coisa é real: o conceito de família se desdobra em infinitas possibilidades. Cada núcleo familiar tem um jeito, um tom, uma forma e uma composição. E é baseado nessa singularidade que vamos conversar hoje por aqui sobre a orientação de pais.
Neste sentido, acredito que o acompanhamento e o auxílio parental nascem de um acolher particular e na compreensão de elementos únicos que contribuem para que cada família encontre a voz e o colorido próprios!
Mas, antes de compartilhar com você os pilares os quais considero fundamentais para este tipo de atendimento, volto um pouco no tempo para falar sobre como as dinâmicas familiares se transformaram – e ainda estão se transformando -, fazendo com que a orientação de pais seja um processo enriquecedor para a criação de um ambiente familiar mais harmonioso e favorável ao desenvolvimento não apenas dos filhos, mas também dos tutores.
Há um tempo atrás o homem era o provedor da casa, passava mais tempo fora e, em muitos casos, distante da educação dos filhos – as responsabilidades ficavam somente a cargo da mãe. Com o tempo, a mulher conquistou mais espaço no mercado de trabalho, e o cuidado das crianças, em maior proporção, ficou com avós, com a escola e creches ou com profissionais dedicados.
Mais recentemente, é impossível não considerar também as reformulações que vieram com a pandemia – a intensificação do convívio na casa, a mistura entre vida pessoal e profissional dos pais, o estudo remoto, a restrição da rede de apoio. Todos esses movimentos e adaptações acabam gerando dúvidas, conflitos e sentimentos diversos, que fazem os pais se questionarem sobre como devem conduzir a educação de seus filhos da melhor forma.
Então, como a orientação de pais pode ajudar no desenvolvimento dos filhos e nas relações familiares?
O norte da embarcação
O primeiro passo para trilhar esta jornada é conhecer os valores da família, pois, muitas vezes, há o desejo de corresponder a uma forma idealizada sobre o que é ser uma. Os valores comportam as percepções de mundo e de como as coisas devem funcionar. São como uma espécie de bússola que direciona o que é importante para aquela família. Por vezes, os membros não têm claro os seus valores ou estão em busca de bases próprias, sem mais se identificarem com o que foi determinado por núcleos externos.
Esse é um passo essencial no acolhimento: auxiliar na descoberta desses valores, para podermos desenhar um projeto de cuidado que esteja alinhado com o que bússola de cada família tem como norte! Neste sentido, autores como Maslow e Bronfenbrenner vão falar a importância do sentimento de pertença para um desenvolvimento afinado e seguro. Ou seja, isso significa que é preciso que todos estejam embarcados nessa travessia rumo a um projeto comum.
Assim, acredito em um trabalho artesanal, que vai sendo tecido com as meadas e os fios de cada membro para, então, ajudar na compreensão de que não há um desenho ou um formato que encaixe corretamente para todas as tramas.
Sombras existem – e está tudo bem
Um segundo passo desse percurso é absorver que antes de educar os filhos, os pais não tinham educado ninguém. Já tinha parado para pensar por este ponto de vista? As crianças não vêm com manual de instrução e tampouco os pais nascem naturalmente preparados para educá-las. Essa é uma marca social que pesa muito para as famílias que acolho e, invariavelmente, escutam falas como “todo mundo sabe como educar os filhos! É algo natural, sempre foi assim”. Porém, é justamente essa ideia de que os pais sabem exatamente o que fazer que torna a parentalidade mais desafiadora, com mais autocobranças e angústias.
Laura Guttman, terapeuta argentina, aborda essa questão dos aspectos mais internos experienciados pelas mulheres na maternidade, ao tratar do acolhimento dessa sombra e desses sentimentos profundos para que se possa reformular preconceitos e tabus acerca da educação e das formas de vínculo, encontrando, assim, o próprio jeito de maternar. Eu, aqui, concordo com ela, mas a partir da minha experiência clínica, estendo esse convite aos casais – não apenas às mães -, uma vez que ao desejar exercer uma parentalidade mais consciente e ativa, ambos devem enxergar e abraçar todas as suas tonalidades.
Assim, é preciso que o espaço da orientação de pais seja um caminho de cuidado, de acolhimento, para que eles se sintam à vontade de olhar para a própria sombra e para os demais sentimentos “estranhos, diferentes e feios” que possam ser sentidos nesse processo; não um lugar de julgamento, repreensão ou ensinamentos.
Diálogo entre expectativa e realidade
Um terceiro momento da orientação de pais é reconhecer que a expectativa, o desejo e a idealização sobre como deveria ser a parentalidade nem sempre são possíveis de serem concretizados. Vou explicar melhor essa ideia, veja só! As famílias que me procuram buscam uma forma de afinar aquilo que fazem com o que gostariam de fazer.
Mas você se lembra que lá em cima comentei de fatores que influenciam nas dinâmicas familiares? A rotina de trabalho e a falta de rede de apoio – especialmente neste momento – são exemplos de condições externas que não são responsabilidades diretas dos pais, mas que atravessam as suas expectativas e geram um sentimento de incompetência e impotência diante do que se deseja ser.
Por exemplo: os pais querem brincar e estar mais presentes na rotina dos filhos, mas precisam trabalhar e se dividir entre outras demandas – pessoais, domésticas etc. Resultado? Frustração em sentir que não está exercendo a parentalidade como o imaginado.
Por isso, na orientação, é fundamental uma escuta atenta e acolhedora, auxiliando os tutores no encontro de um caminho do possível, de forma plena, inteira e respeitosa para que expectativa e realidade dialoguem sem brigar. Afinal, já basta a sociedade que cobra perfeição e fórmulas mágicas de como administrar tudo-ao-mesmo-tempo-agora, não é mesmo?
Antes de pais, humanos
Por fim, trago um ponto tão relevante quanto os anteriores. O trabalho voltado ao olhar do filho em relação aos pais, para que os veja em suas diversas tonalidades de sentimentos. Somente assim a criança terá espaço para ela mesma poder experimentar seu próprio arco-íris de emoções!
Não é possível desejar que a criança se expresse livremente, encontre sua própria voz, respeite seus mais variados sentimentos se os pais são “super-heróis” o tempo todo. Como humanos antes de tudo, temos cores e sombras, potências e vulnerabilidades – e reconhecer isso um no outro também promove conexões mais reais e vínculos familiares mais fortes.
Nesse processo de conhecer as linhas, as tramas e as nuances de cada família, meu trabalho com a orientação familiar tem o papel de acolher os sonhos, os medos, os projetos, as frustrações e todos os demais sentimentos que os pais possam vivenciar e sentir frente à sua própria experiência de educar seus filhos. Com respeito e atenção às singularidades, o objetivo é sempre o de contribuir para o alinhamento entre seus desejos, seus valores e suas possibilidades!
E então, se identificou com algum dos pontos que trouxe neste artigo? Quer conversar mais sobre isso e esclarecer outras questões? Estou aqui para te receber, é só entrar em contato.
Até breve!
Abraços,
Carol Freire.