Livros que marcaram minha história

Ler é mais que um verbo, ler é um lugar. Na verdade, um livro é um lugar. Um lugar de linhas, palavras, experiências, sensações e emoções que, invariavelmente, nos serve de abrigo e de acolhida. Mas que também nos atravessa, nos chacoalha, nos desafia e nos desperta para outras tantas possibilidades de vida. 

Seja na ficção, na poesia, na não-ficção, a leitura nos transporta para dentro de tempos-espaços diversos, de realidades múltiplas, que nos abastecem de repertórios até então desconhecidos. Ler é um lugar onde tudo cabe, tudo transborda e, a partir do qual, toda realidade pode ser transformada. 

 

“Os livros me permitem construir uma espécie de abrigo permanente onde quer que eu esteja. Eles são como as fogueiras de acampamento que afastam a noite da floresta.” 

Jean-Marc Besse, filósofo e historiador

 

Me arrisco ainda a dizer que sinto a leitura como, além de lugar, caminho. E, para celebrar o Dia Nacional do Livro, em 29 de outubro, compartilho com vocês um pouco da trilha de livros que marquei e que me marcaram ao longo de minha história. São as histórias que, de alguma forma, contam um pouco da minha própria. Me acompanha? 

A importância da leitura para a mudança social

No entanto, antes de iniciar aqui a lista de livros que são um lugar especial para mim, queria trazer a contribuição de Paulo Freire, educador e filósofo brasileiro, acerca do ato de ler. 

Para ele, “Ler significa representar a afirmação do sujeito, de sua história como produtor de linguagem e de sua singularização como intérprete do mundo que o cerca.” 

O ato de ler, para Paulo Freire, deve estar associado também à fomentação de políticas públicas e construção de espaços comunitários, como bibliotecas, que sejam capazes de democratizar a leitura e torná-la uma ferramenta de conhecimento e transformação acessível a todos e todas. 

Assim, para o educador, é possível “despertar consciências críticas e libertadoras, onde se assentam verdadeiras esperanças de mudanças, principalmente sociais”.

Ler ganha, então, o lugar político. 

Livros que marcaram minha história

O Diário de Anne Frank (1995, Editora Record)

O Diário de Anne Frank  (1995, Editora Record)

Li este livro pela primeira vez ainda adolescente. Me marcou muito uma menina, cheia de sonhos e idéias, fechada em um sótão, impossibilitada de seguir seus sonhos e projetos, lançada ao convívio diuturno com pais, irmã e estranhos.

Acho que dali nasceu meu desejo de estudar, militar e ensinar sobre direitos humanos de crianças e adolescentes. É tão marcante para mim que, quando tive oportunidade de ir a Amsterdã, fiquei horas na fila num inverno bem frio, para conhecer seu esconderijo – onde hoje fica o Museu Anne Frank.

Ao entrar, fui tomada de uma emoção enorme, um silêncio profundo na alma, mais do que nunca me senti conectada com Anne e Kity. Agradeço ter contato com sua história, ainda que tenha perdido a vida. Esse é um livro que sempre indico às adolescentes que atendo: um livro sobre sonhos, medos, fantasias, alegrias e dores de uma jovem.

A Menina e o Pássaro Encantado (Rubem Alves, 1984, Editora Loyola)

A Menina e o Pássaro Encantado (Rubem Alves, 1984, Editora Loyola)

Esse livro me marcou na passagem da pré-adolescência. Trata-se da história de uma menina encantada com seu amigo fiel, que só tinha seu brilho, seu encantamento, sua alegria e parceria porque podia ir e vir. No entanto, ao ser confinado, na posse do “amor amigo”, da “amizade verdadeira”, ele perde todo o seu encantamento. 

É uma história sobre a importância do amor que liberta, que aceita os movimentos do amado/amigo, que reconhece o valor do juntos e o valor de cada um. Uma alegoria doce para nos ensinar sobre o amor que movimenta, que está presente mesmo na ausência, sob o nome de saudade.

A águia e a Galinha- Metáfora da Condição humana (Leonardo Boff, 1997, Vozes)

A águia e a Galinha- Metáfora da Condição humana (Leonardo Boff, 1997, Vozes)

Esse livro me marcou muito na minha trajetória de formação enquanto psicóloga e enquanto gente.

Nessa linda metáfora, Boff nos convida a olhar para nossas dimensões galinha (conhecida, aprisionada, status quo) e nossa dimensão águia (nossas potências, sonhos, desejos) e o quanto ao caminharmos pela nossa vida social vamos sendo aprisionados e aprisionadas e tratados e tratadas como galinha, perdendo, assim, nosso contato com nossa dimensão águia.

Esse livro me traz o resgate e nele inspiro minha ação de educadora e psicóloga, auxiliando as pessoas a se conectarem com suas dimensões águia e alçar voos cada vez mais altos, lindos e autênticos.

O Cotidiano e a História (Agnes Heller, 1990- Paz e Terra)

O Cotidiano e a História (Agnes Heller, 1990- Paz e Terra)

Húngara e professora de Sociologia, Agnes Heller é uma referência para mim. Conheci esse livro no meu mestrado, ao estudar políticas públicas.

Me encantei. Ela traz o “cotidiano como a vida de todo homem”, assim, é com ela que aprendi que vamos nos tornando humanos à medida em que vamos nos inserindo no universo cultural e humano da nossa sociedade, desde nosso nascimento até nossa morte.

“Todo homem é singular, individual-particular, (único) e, ao mesmo tempo, ente humano-genérico (enquanto abarca todas as possibilidades de se ser humano)”.

Por meio da linguagem e do domínio dos instrumentos, vamos nos tornando sujeitos daquela sociedade e vamos materializando a história.

A Condição Humana (Hannah Arendt, 2014, Forense Universitária)

A Condição Humana (Hannah Arendt, 2014, Forense Universitária)

Hannah Arendt, sem dúvida, é também uma das minhas grandes mestras. Nesse livro, que também tive contato no meu mestrado ao estudar política, ela refuta a ideia de natureza humana ao trazer a noção de condição humana.

As condições humanas dizem respeito às condições nas quais a vida é dada ao homem, às quais tendem a suprir a existência do homem. O foco é mostrar que o homem existe a partir das suas relações com o mundo, que é concreto.

Arendt fala, então, do conceito de vida activa, justamente, para designar não uma suposta natureza (essência) humana, mas sim as atividades fundamentais responsáveis pela construção da condição humana: trabalho, obra e ação.

Bem, trouxe aqui cinco livros, mas são tantos outros que me atravessaram, que me acolheram, que me despertaram e que me abraçaram, que um único post não daria conta de abarcá-los.

Deixo, por fim, o convite para que compartilhe comigo os livros que marcaram a sua história. Assim, trocamos dicas, fortalecemos o ato de ler e fazemos da leitura um lugar de encontro. <3