“Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.”
Fernando Pessoa
Quantas mulheres cientistas você conhece? Quantos nomes de físicas, astrofísicas, astronômas, químicas você já estudou ou leu nos jornais? É curioso pensar que, desde que o mundo é mundo, as mulheres dividem e vivem nele, assim como os homens, no entanto, são bem mais escassos os relatos ou histórias sobre elas, não é mesmo? Em relação às profissões citadas, será que não existiram ou não existem mulheres ou será que não se fala sobre a existência delas? São muitas as interrogações e elas são propositais, pois é a partir dos questionamentos que fazemos que somos capazes de pensar com liberdade.
Assim, no dia 11 de fevereiro, comemora-se o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência e, neste artigo, gostaria de compartilhar com vocês algumas das barreiras estruturais e históricas que acompanham e que corroboram para a invisibilidade e o apagamento da presença das mulheres nessa área, além de mostrar as iniciativas que rompem com essas barreiras e colocam as meninas na ciência e as cientistas como protagonistas. Te convido a seguir com a leitura. Vamos lá?
Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências
Vamos começar pela data que dá origem às reflexões da vez. Desde 2016, o Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências é comemorado em 11 de fevereiro, data aprovada pela Assembleia Geral em 2015 e celebrada pelas Nações Unidas e UNESCO.
O dia foi criado com o objetivo de dar destaque à pauta que trata da luta pela participação igualitária das mulheres nas ciências. Segundo dados da ONU e da UNESCO, as mulheres representam menos de 30% dos pesquisadores no mundo todo, fato que demonstra como ainda persistem as barreiras e a baixa representatividade para mulheres e meninas, sobretudo em áreas como ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas (STEM, na sigla em inglês).
Diante desse cenário, mais do que celebrar o Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências, é urgente a conscientização de toda sociedade em relação ao compromisso da promoção da igualdade de direitos entre meninas e meninos, homens e mulheres, nos diversos níveis do sistema educacional, combatendo as situações de vulnerabilidades sociais provocadas pela desigualdade de gênero.
Gênero e ciências
Agora, vamos colocar uma lente de aumento sobre a questão da desigualdade de gênero quando falamos em ciências. Alguns dados chamam atenção e suscitam aqueles questionamentos do início deste artigo.
De acordo com a publicação “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)”, da UNESCO:
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Apenas 17 mulheres receberam o Prêmio Nobel em física, química ou medicina desde Marie Curie, em 1903, em comparação a 572 homens.
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Hoje, apenas 28% dos pesquisadores de todo o mundo são mulheres.
Em contrapartida, no artigo Women in Science in Brazil: still invisible?, da pesquisadora Fernanda De Negri, publicado pelo Wilson Center Brazil Institute, mostra que 54% dos estudantes de doutorado são mulheres e que houve um aumento de 10% nas últimas duas décadas.
Mas por que as mulheres continuam invisíveis? As questões sobre papel de gênero que acompanham as mulheres desde a infância até a vida adulta são os principais entraves. A mulher é destinada, desde cedo, às funções do cuidado, da casa, da maternidade. Assim, seu corpo e seu tempo são cerceados pelo ambiente doméstico.
“A sub-representação das meninas na educação em ciência, tecnologia, engenharia e matemática tem raízes profundas e coloca um freio prejudicial no avanço rumo ao desenvolvimento sustentável. Nós precisamos entender os fatores que estão por trás dessa situação para reverter essas tendências.”
Irina Bokova
Ex-diretora-geral da UNESCO
Iniciativas que rompem barreiras e colocam mulheres e meninas como protagonistas nas ciências
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Maternidade e Ciência
Na luta para reivindicar o lugar de mulheres-mães na ciência, na pesquisa e no desenvolvimento científico, iniciativas são construídas de maneira coletiva. Entre elas, destaco aqui o Movimento Parent In Science (Mães e Pais na Ciência), do qual a pesquisadora, Cândida Pereira da Costa, é embaixadora pela Unicamp.
O grupo realizou uma pesquisa importante que mostrou que, durante a pandemia, das (os) alunas (os) de pós-graduação que estão conseguindo trabalhar remotamente 27% são mulheres e 36,4%, homens.
O foco do Movimento é discutir o impacto da parentalidade, a licença maternidade e seus efeitos sobre a carreira científica. Este foi o primeiro projeto brasileiro a vencer o prêmio Nature para Mulheres Inspiradoras na Ciência, em 2021, na categoria Science Outreach.
Outra iniciativa importante é a série de vídeos no YouTube produzida pelo grupo Mães-Pesquisadoras: “não somos objeto, somos protagonistas”. Os conteúdos trazem abordagens, teorias e práticas no sentido de romper com paradigmas, e discutem temas sobre mulheres pesquisadoras que vão além da maternidade. Inclusive, o grupo do qual faço parte, o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, fez uma participação em uma live do canal. São vídeos que despertam e quebram padrões com o objetivo de dar visibilidade às mulheres nas ciências.
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Primeira cientista brasileira a receber o Prêmio Marie Curie da Agência Internacional de Energia Atômica
Por falar em tornar visível, Ana Gabryele Moreira, de 29 anos, natural de Salvador (BA), mestranda na capital paulista, moradora da periferia, foi a primeira cientista brasileira a receber o Prêmio Marie Curie da Agência Internacional de Energia Atômica, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). Estudante de física médica na Universidade de São Paulo (USP), Ana Gabryele Moreira, fará, este ano, o mestrado fora do país. Voa!
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BBC 100 Women: lista de mulheres inspiradoras e influentes de 2021
Em mais um exemplo de reconhecimento, visibilidade e protagonismo, temos a lista divulgada pela BBC, com as 100 mulheres inspiradoras e influentes de todo o mundo. No ano passado, o projeto 100 Women destacou aquelas que estão fazendo uma revolução e reinventando nossa sociedade, nossa cultura e nosso mundo.
Na lista, estão nomes potentes, como Malala Yousafzai, a mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz, a primeira mulher primeira-ministra de Samoa, Fiamē Naomi Mata’afa, a professora Heidi J Larson, que chefia o Vaccine Confidence Project, e a aclamada autora Chimamanda Ngozi Adichie.
Tem brasileira na lista também: a microbiologista e divulgadora científica, Natália Pasternak Taschner, que atuou no combate à desinformação no Brasil durante o atravessamento da pandemia de Covid-19.
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Programa Mulher e Ciência
Com o objetivo de estimular a produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no País, foi lançado, em 2005, o Programa Mulher e Ciência, a partir do trabalho realizado por um grupo interministerial composto pelo CNPq e a então Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Ministério da Educação (MEC).
Para a promoção da participação das mulheres e meninas no campo das ciências, o programa se baseia em três principais eixos: Edital bianual de pesquisas na temática Relações de Gênero, Mulheres e Feminismos, operacionalizado na DEHS; Prêmio para estudantes de Ensino Médio, Graduação, Pós-Graduação e Escolas da Educação Básica denominado Construindo a Igualdade de Gênero; e Encontro trianual Pensando Gênero e Ciências, com núcleos de pesquisa de Gênero das Universidades.
Dicas de livros para novas leituras
Por fim, como não poderia deixar de ser, gostaria de compartilhar leituras que, voltadas para as crianças, servem como ferramentas importantes – ou fundamentais – para esse romper de padrões, de estigmas e de impedimentos, possibilitando que as meninas se tornem pensadoras, pesquisadoras, cientistas, etc. E para que, daqui em diante, seus nomes e suas conquistas, descobertas, produções, invenções não sejam apagadas da história.
- 101 Mulheres Incríveis Que Transformaram A Ciência
- Autora: Claire Philip
- Editora: Pé da Letra
- Menina hoje, cientista amanhã
- Publicação da Fundação Oswaldo Cruz
- Histórias para inspirar futuras cientistas
- Autoras: Juliana Krapp e Mel Bonfim
- Editora: Rio de Janeiro
- A luneta e Isabelle
- Autora: Alessandra Abe Pacini
- Editora: Publicação Independente
- Lina, Aventuras de uma arquiteta
- Autora: Ángela León
- Editora: Pequena Zahar
- ABCDELAS
- Autora: Janaina Tokitaka
- Editora: Companhia das Letrinhas
- Era uma vez: história de 10 grandes brasileiras que marcaram o Brasil
- Autora: Luciana Sandroni
- Editora: Escarlate
- Extraordinárias: mulheres que revolucionaram o Brasil
- Autoras: Duda Porto de Souza e Aryane Cararo
- Editora: Companhia das Letras
- Selvagem
- Autora: Emily Hughes
- Editora: Pequena Zahar
Ah, e antes de encerrar, deixo o convite para o brincar que estimula as experiências e descobertas em meu artigo sobre “Ciências para crianças: aprendizado criativo, lúdico e cotidiano.”
É isso! Espero que esta viagem pelo mundo no qual as mulheres existem, resistem, criam, pensam, descobrem, inventam e revolucionam tenha sido inspiradora!!!
Até o próximo 😉
Fontes:
https://olimpiada.fiocruz.br/ebook-menina-hoje-cientista-amanha/
http://uspmulheres.usp.br/dia-internacional-das-mulheres-e-meninas-nas-ciencias/