Existe a escola certa para o meu filho?

Para Sara, Raquel, Lia e para todas as crianças 

Eu queria uma escola que cultivasse
a curiosidade de aprender
que é em vocês natural.

Eu queria uma escola que educasse
seu corpo e seus movimentos:
que possibilitasse seu crescimento
físico e sadio. Normal 

Eu queria uma escola que lhes
ensinasse tudo sobre a natureza,
o ar, a matéria, as plantas, os animais,
seu próprio corpo. Deus.

Mas que ensinasse primeiro pela
observação, pela descoberta,
pela experimentação.

E que dessas coisas lhes ensinasse
não só o conhecer, como também
a aceitar, a amar e preservar.

Eu queria uma escola que lhes
ensinasse tudo sobre a nossa história
e a nossa terra de uma maneira
viva e atraente.

Eu queria uma escola que lhes
ensinasse a usarem bem a nossa língua,
a pensarem e a se expressarem
com clareza. 

Eu queria uma escola que lhes
ensinassem a pensar, a raciocinar,
a procurar soluções.

Eu queria uma escola que desde cedo
usasse materiais concretos para que vocês pudessem ir formando corretamente os
conceitos matemáticos, os conceitos de números, as operações… pedrinhas… só
porcariinhas!… fazendo vocês aprenderem brincando…

Oh! meu Deus!

Deus que livre vocês de uma escola
em que tenham que copiar pontos.

 

Deus que livre vocês de decorar
sem entender, nomes, datas, fatos… 

Deus que livre vocês de aceitarem

conhecimentos “prontos”,
mediocremente embalados
nos livros didáticos descartáveis.

Deus que livre vocês de ficarem
passivos, ouvindo e repetindo,
repetindo, repetindo…

Eu também queria uma escola
que ensinasse a conviver, a
coooperar,
a respeitar, a esperar, a saber viver
em comunidade, em união.

Que vocês aprendessem
a transformar e criar.

Que lhes desse múltiplos meios de
vocês expressarem cada
sentimento,
cada drama, cada emoção.

Ah! E antes que eu me esqueça:

Deus que livre vocês
de um professor incompetente.

Carlos Drummond de Andrade


Ao longo dos meus 20 anos como orientadora de pais e consultora de escolas, tenho observado uma angústia comum a todos:
qual a melhor metodologia de ensino para meu filho? Uma pergunta aparentemente simples requer uma resposta robusta e complexa: O que você deseja para seu filho? O que você deseja para a sociedade presente e futura?

Faço sempre estes questionamentos pois é a partir dos valores e desejos da família que a escola vai aparecer e, quanto mais alinhada às respostas dos pais, maiores as chances de um encontro feliz. 

No entanto, sei o quanto é difícil encontrar essas respostas dentro da gente, quando do lado de fora gritam os excessos de propagandas, chamarizes, ofertas e promessas das escolas. Os outdoors mostram rostos felizes e rumo ao sucesso. Mas será mesmo?

Bem, diante de tantos estímulos e espetáculos, como escolher a escola que faz sentido para meu filho? Pensando nessa encruzilhada, compartilho neste artigo alguns pontos que considero aliados e importantes de serem olhados no momento da escolha. Vamos lá?

Para você, educação é mercadoria?

Primeiro é necessário diferenciar educação enquanto valor de educação enquanto mercadoria. Sim, a educação, dentro de uma perspectiva neoliberal e capitalista, é compreendida como um objeto de consumo, como um produto a ser comercializado, que gera lucros e retornos financeiros. A pergunta que, ao meu ver, os pais devem fazer é a seguinte: eu entendo a educação como um valor humano, um meio pelo qual é possível transformar e se transformar, ou como um produto que segue a lógica do mercado? Um lugar no qual meu filho será um receptáculo do maior número e dos melhores conteúdos para uma vida adulta mais preparada, mais especializada e mais competitiva?

Temos aí uma questão primordial no momento da escolha. A escola entende – e trata – a educação como eu?  No artigo “O Estado Neoliberal e a promulgação da educação enquanto mercadoria”, de Fábio Luciano Oliveira Costa, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, no sistema neoliberal, a educação tem significado majoritariamente um objeto de consumo individual fora de uma discussão pública e coletiva, pois transforma questões políticas e sociais em questões técnicas. 

Assim, ao se tornar um produto, “a abordagem do assunto não é feita em torno da transformação constante necessária à humanidade, da injusta distribuição desigual dos recursos produzidos e pela sua excessiva concentração em poucas mãos, mas como um problema de ordem técnica, em que eficácia ou ineficácia são resultados da administração de recursos materiais e simbólicos, cuja solução é remetida para o sucesso individual ou de pequenos grupos, relacionada com a concentração de capitais”. 

Diante da  condição de educação que se distancia de uma questão pública, coletiva, democrática e política, o que vejo se aproximar e se evidenciar é o educar centrado no individual e organizado em hierarquias, que legitimam uma ideologia por méritos e competências, muitas vezes, injustas. 

Assim, a educação deixa de ser um direito e passa a ser uma propriedade. O resultado é a propagação – necessária aos detentores de poder e privilégios – da desigualdade social e econômica.  

Então, é preciso saber: a escola que busco para seu filho agrega ou segrega? Expande ou restringe?

Para você, educação é um valor?

Seguindo a ideia do que é a educação e de qual educação você quer para seu filho, vem a pergunta: educação é um valor? Os valores humanos perpassam nossas vidas e guiam nossas ações. Os valores humanos dizem respeito às condutas que podem determinar decisões importantes para nós. 

Nossos valores são como lanternas indicando um caminho – ou uma forma de caminhar. Os valores servem também para garantir que a convivência entre as pessoas seja pacífica, honesta e justa. 

Bem, sendo assim, a educação que você busca para seu filho compartilha desses valores? Para você, a educação é um bem inalienável da humanidade? Ela é responsável por colocar em funcionamento a potencialidade humana de criação e repasse das suas descobertas às gerações posteriores para o desenvolvimento da vida humana? 

Estes significados dado à educação, como vimos acima, têm se perdido em meio à lógica capitalista – em crise – que busca, descontroladamente, sua fatia de lucro e se apodera de bens humanos mais essenciais como no caso, a educação, e os mercantiliza. 

Quando a educação é compreendida por outra perspectiva que não mercadológica, ela se encontra inserida no pluralismo saudável de ideias e de valores, baseado na ética e no compromisso com o mundo e com o outro. 

Aqui, eu não poderia deixar de citar Paulo Freire que criou uma filosofia da educação. E, para ele, era preciso que a educação fosse “idealizada e concretizada na perspectiva dos objetivos emancipatórios das práticas educativas, resgatando, assim,  a politicidade inerente à educação e a sua estreita articulação com a mudança social”. 

A educação vista enquanto valor tem, então, esse papel de ser agente de transformação social, de consciência política e de ações em prol de um avanço coletivo e democrático, não exclusivo ou de privilégio – como vemos hoje.

O que considerar na hora de escolher a escola?

Depois desses dois questionamentos acima, convido vocês, que vêm lendo os textos que produzo e as reflexões que eu faço, a pensar sobre os três grandes pilares, que acredito serem fundamentais para ajudá-los a encontrar a melhor escola para seu filho e sua família: valores, desejos, condições (disponibilidade).

Entendo como pilares, pois não adianta ter valores e desejos que não estejam afinados com as condições financeiras e emocionais, assim como não adianta ter uma super disponibilidade afetiva e financeira, mas não ter clareza sobre seus valores, enfim…Parece complicado de cara, mas fiquem tranquilos, vou ajudar vocês. Sigam comigo. 

  • VALORES: nossa bússola, nossos princípios, nossos propósitos, o que nos é importante o que dá sentido para a vida (seria o PORQUÊ) 
  • DESEJOS: é o motor que nos coloca como ativos no mundo, aquilo que buscamos, almejamos, uma vontade (seria O QUÊ?) 
  • CONDIÇÕES: tudo aquilo que possibilita a nossa vivência, a satisfação dos nossos desejos. Aqui chamo atenção para condições emocionais (quanto de disponibilidade afetiva eu tenho para lidar com algo?), sociais (qual a minha rede de suporte, do meu convívio?) e econômica (quais as possibilidades financeiras para realização de algo?) (Seria o COMO?)

Sei que, por vezes, as famílias têm clareza das suas condições, pois se tratam de elementos mais  palpáveis, concretos. No entanto, enfrentam uma dificuldade em observar seus valores ou, então, não têm clareza sobre eles e se perdem e se frustram diante de tantas propagandas, promessas, pressões e exigências. Muitas famílias fazem apertos financeiros para caber no orçamento de uma determinada escola que ouviram dizer ser a melhor. 

O esforço financeiro, por sua vez, não significa um sacrifício que faça sentido. Isso porque há outros aspectos envolvidos. Por exemplo, a família pode não dar conta do projeto pedagógico proposto pela escola ou os filhos não encontram sentido naquela proposta de ensino e aprendizagem. Aí os pais se deparam com os filhos desanimados, angustiados e perdendo o brilho nos olhos. Há ainda a culpa que pode recair sobre os pais quando estes não têm condições de pagar pela “tal melhor escola”.

O que vejo muitas vezes, nessa situação, é um acúmulo de pessoas frustradas reunidas em volta da mesa. Pais e filhos culpados, carregando, cada um, um peso nas costas. 

Por isso, reforço a importância da família, em conjunto, acessar e olhar para os calores que habitam do lado de dentro. 

A resposta para a melhor escola não está fora, no outdoor, na frase de impacto, nos selos dos vestibulares, está no que pulsa como essencial dentro de gente. Ao encontrar e definir seus valores, os “guias”, as famílias certamente vão se conectar que lhes é melhor.

Itens importantes que podem ajudá-los na escolha

Ah, Carol, mas ainda está difícil encontrar parâmetros para a escolha da escola. Prometi ajudá-los nesse desafio e vou seguir agora com alguns itens importantes – e mais concretos – que podem indicar um caminho. Veja só:

1.Conhecer o Projeto Político Pedagógico da Escola

Trata-se de um documento que indica qual é a direção da escola, quais seus valores, missão, como se organiza, como são desenvolvidas as atividades e qual a sua visão de mundo. Chamado de PPP, ele é:

  • Projeto, pois reúne propostas de ação concreta a executar durante determinado período de tempo.
  • Político, pois considera a escola como um espaço de formação de cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que atuarão individual e coletivamente na sociedade, modificando os rumos que ela vai seguir.
  • Pedagógico já que define e organiza as atividades e os projetos educativos necessários ao processo de ensino e aprendizagem.

Este é o documento que vai auxiliá-los a ver se a escola se afina ou não com os valores da sua família. 

2.Conhecer o espaço físico da escola 

Visitar escolas, conhecer o ambiente, ver suas cores, aromas, sua organização e disposição. O  espaço físico importa e nos diz muito sobre como a escola, de fato, considera a criança e o papel da escola. 

Às vezes vemos escolhas cujos Projetos Políticos Pedagógicos são bastante interessantes, participativos, no entanto, nos deparamos com um espaço físico apertado, limpo demais, com regras demais, que acabam por inibir a presença de crianças.

3.Saber da qualificação profissional

É importante uma escola que esteja sempre investindo e incentivando seus professores a estudarem sobre temas da infância, educação, metodologias de ensino. 

É importante uma escola que busque sempre discutir o processo educacional, a formação humanística de seus profissionais. Trata-se de uma boa “pista” para nos dizer se é uma escola que tem educação como valor  ou como mercadoria. 

4.Saber sobre a remuneração da equipe escolar

Seguindo a ideia de uma escola que tem a educação como valor, sua equipe é bem remunerada. A escola  investe em treinamento, em capacitação, em cuidado, pois entende a importância de profissionais valorizados no percurso da aprendizagem.  

5.Conhecer a comunidade escolar

É importante que a escola tenha um canal de comunicação e troca fluida e dinâmica com os pais. Não digo aqui sobre portais, grupos de WhatsApp ou outros meios de comunicação. Falo sobre a importância de se ter em mente a articulação entre família e escola. Como ela se dá? É participativa? As famílias compõem a vida escolar, pensam juntas as questões, os desafios ou são apenas informadas sobre as decisões da escola? 

6.Avalie a rotina da família  

A dinâmica familiar precisa ser considerada no momento da escola. Por vezes, a família se dispõe a colocar os filhos numa determinada escola, mas ela vai de encontro com a rotina da família ou, então, exige demais da família no sentido de fazer ajustes de tempo de transporte ou de estilo de vida (disponibilidade para maior ou menor acompanhamento). 

Por isso, destaco que a escola deve ser mais uma dimensão na vida da criança, um grande espaço de desenvolvimento, e não uma espécie de “corrida maluca”, na qual a criança e família precisam superar diversos obstáculos para dar conta de chegar e sair da escola. 

7.Se faça a seguinte pergunta

Me vejo estudando aqui? Vejo meu filho estudando aqui?! Que fantasias você consegue fazer nessa visita ao espaço escolar? Veja só: é importante que seja um lugar de desejo, de conforto, de entusiasmo.

Mas qual metodologia educacional é melhor?

Por fim, a questão das metodologias educacionais. Qual escolher? Qual é a melhor? Mais uma vez eu digo que não há uma resposta única e certa. As metodologias vão variar de acordo com os ideais que a norteiam. 

Por isso, desde que cumpram os itens que listei acima, qualquer metodologia escolhida será capaz de promover um bom desenvolvimento das crianças. Mais uma vez volto ao coração desse texto: a questão é saber se a escola tem a educação como valor ou como mercadoria.

Para item de curiosidade, trago abaixo uma breve descrição das principais metodologias educacionais:

  • Tradicional

O nome já diz muita coisa, não é mesmo? Ela está entre as predominantes no Brasil e possui modelo de ensino e avaliação padronizados. Há hierarquia e o professor é visto como a figura principal da sala de aula, figura que detém e transmite todo conhecimento.

O foco do aprendizado está no maior acúmulo possível de informações para que os alunos tenham um bom desempenho em provas de vestibulares e no ingresso em universidades de renome. Assim, a formação de uma pessoa se dá, basicamente, por meio dos conhecimentos concretos.

  • Construtivista 

Já na escola construtivista, a base está em teorias do psicólogo suíço Jean Piaget e, atualmente, trata-se de um dos métodos alternativos mais difundidos no Brasil. 

A metodologia construtivista foca no aprendizado como construção, por meio da qual as crianças entendem o mundo por assimilação, tendo sempre a realidade como referência. 

Dessa forma, elas são incluídas no processo e o conhecimento prévio delas é usado para entender novos conteúdos.

  • Sociointeracionista 

Neste modelo pedagógico, desenvolvido por Lev Semyonovich Vygotsky, o papel do  professor é de promover avanços dos alunos, criando zonas de desenvolvimento proximal. 

Para a pedagogia sociointeracionista, o aluno não é somente o sujeito da aprendizagem, mas aquele que aprende com o outro aquilo que seu grupo social produz. 

Para entender melhor: a proposta pedagógica sociointeracionista atua sob uma perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, na qual o conhecimento é resultado da combinação entre fatores objetivos e subjetivos experimentados no cotidiano de cada aluno.

  • Waldorf 

Idealizada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, a pedagogia Waldorf tem como principal objetivo formar um adulto seguro e equilibrado.

Em sua prática, a escola Waldorf procura estabelecer o equilíbrio entre os aspectos cognitivos e o aprendizado de trabalhos manuais, artísticos e atividades corporais, que possibilitam, de forma natural e orgânica, o desenvolvimento físico, social e individual da criança.

  • Freiriana 

O nome revela sua essência. Baseada nos conceitos do filósofo, educador e pedagogo brasileiro, Paulo Freire, a pedagogia Freiriana leva em consideração os aspectos humanos, sociais e culturais dos alunos. 

Entre os princípios defendidos estão o respeito, a tolerância, curiosidade e humildade. A escola Freiriana não prevê a realização de provas, no entanto, os alunos podem ser avaliados de outras maneiras. 

  • Montessoriana 

A última pedagogia que trago aqui é a Montessoriana, criada pela médica e pedagoga italiana Maria Montessori. Segundo essa metodologia, as crianças devem fazer as descobertas por meio das experiências, da prática e da observação. As crianças devem buscar sua autoformação.

O foco está na autonomia dos alunos, considerando sempre que cada pessoa tem um ritmo de aprendizagem próprio. Dessa forma, cabe ao educador ser guia e orientador, propondo atividades motoras e sensoriais e removendo os obstáculos do aprendizado. 

Em seu processo, a escola Montessoriana permite o desenvolvimento de indivíduos independentes, confiantes, criativos e com iniciativa.

Estas são algumas das metodologias educacionais que você pode encontrar atualmente. Existem outras mais. Minha dica é, então, conhecer as possibilidades e compreender qual caminho faz mais sentido ser percorrido pelas crianças e pela família. A escola não é um período, não é uma grade curricular, a escola não é uma nota do outdoor. 

A escola é uma extensão da vida, um espaço-tempo de formação, expansão, desenvolvimento e aprendizado, sob todos os aspectos humanos e sociais. A escola certa para seu filho existe se ela for a escola que o acolhe por inteiro.

“O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes.”

Cora Carolina

Espero que tenham gostado do conteúdo compartilhado aqui. 

Um abraço e até o próximo. 🙂

 

Fontes:
UFSCAR
Sismac
Unesp 
Unicamp 
Escola Educação