Férias escolares e sua importância na vida de crianças, famílias e professoras

“O ato de cuidar das crianças deve ser encarado como um relacionamento,
que inclui tanto amor, quanto aprendizado constante,
 e não um emprego em tempo integral.”

[Alison Gopnik]

 

É chegado o final de ano e, para além das festividades, vem junto um grande misto de alegria e preocupação, já que muitos pais e mães, ao mesmo tempo que querem desfrutar de momentos de lazer e descanso, ficam aflitos com as férias escolares e a necessidade de manter a rotina de trabalho. Diante desse impasse e há anos acolhendo famílias e profissionais da educação, este ano resolvi escrever um texto convidando para uma reflexão diferente em relação a esse período de recesso: qual o papel das férias para as crianças, as famílias e as professoras?

Bora lá fiar essa conversa?!

Qual a importância das férias para as crianças?

“A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.”

[Manoel de Barros]

Para começar nossa conversa por aqui, é preciso logo dizer: as férias escolares têm seu valor. E vamos entender juntos e juntas o porquê. Acompanhe. 

No mundo contemporâneo, não faltam artigos científicos, lives, stories e palestras sobre a importância de se ocupar a cabeça e o corpo da criança para que ela possa estar sempre aprendendo e produzindo. Tudo isso para um futuro: “lá na frente vai precisar saber línguas”, “é importante para desenvolver habilidades manuais”, entre outras falas reproduzidas por aí afora.

No entanto, diversos autores clássicos do desenvolvimento infantil, como Vygotsky, vão apontar que o cérebro humano vai sendo constituído na relação entre homem-mundo, de forma dialética e contínua por toda a vida. Sendo assim, podemos compreender que é ao explorar o mundo que a criança elabora uma ferramenta valiosíssima para seu desenvolvimento e sua aprendizagem, e isso pode ser feito tanto na escola como fora dela. 

Contribuições contemporâneas, vindas de pediatras e pesquisadores da APP (Academia Norte-Americana de Pediatria), mostram que há uma grande importância do período de férias escolas para o desenvolvimento infantil, tanto nos quesitos educacionais quanto sociais, uma vez que, por meio de atividades lúdicas, a criança absorve mais informações e faz uso de diversas áreas do cérebro.

Assim, o momento das férias deve ser uma pausa para as atividades programadas, com funcionalidade pedagógica, dando espaço para um momento de auto-descoberta, exploração espontânea e livre, no qual o descobrir o mundo possa ser feito fazendo uso de todos os sentidos e emoções.

Qual a importância das férias para as famílias?

“Como trapezista
alcançar o outro
num salto:
mergulhar em seus olhos,
navegar até o fundo.

Alcançar o outro
no que ele tem
de mais belo,
de luz e mel,
delicadeza e mistério.

E, então, beber a água
limpa
dessa fonte.”

[Roseana Murray]

Vamos agora direcionar nosso olhar para as férias a partir de sua importância para as famílias. A vida contemporânea tem nos roubado o mais precioso de todos os bens: o estar com. Estar com é mais que estar junto. Mas como assim, Carol? Vem comigo!

Estar junto nós estamos o tempo todo: na mesa do café, no vaivém da escola ou dos contra-turnos da vida, na hora do banho, da lição de casa, nos diferentes afazeres de uma vida louca e cheia de compromissos. Mas o “estar com” é aquele momento do aconchego, do cheiro no cangote, do olho no olho, da pausa para respirar juntos, olhar o horizonte, observar e contemplar aquele instante de vida. 

Dessa maneira, entendo que o momento das férias escolares é uma ótima oportunidade para as famílias se conectarem com o que há de mais precioso para elas: sua parceria, seus valores, sua história. As férias podem ser um bom momento para conhecer mais da história da nossa família, do porquê dos nossos nomes, por exemplo. Pode ser um momento também de escuta e de partilha de sonhos e desejos, de medos e de aventuras. Olha só quanta preciosidade em jogo que por vezes fica esquecida diante das agendas cheias. 

Um momento de pausa e conexão, e como diz a poetisa, de “alcançar o outro no que ele tem de mais belo”.

Um outro ponto importante quando falamos de férias e famílias está na angústia de muitos pais e mães em quererem, o tempo todo, entreter os filhos nesse período. Neste sentido, é preciso dizer que os pais e mães não têm a responsabilidade de entreter os filhos o dia inteiro e que é importante comunicar que há outras responsabilidades que demandam presença dos adultos: como trabalho, tarefas de casa, etc. E aqui entra a questão do tédio e de como é importante que as crianças – e os adultos – saibam lidar com ele. O vazio sentido será revertido em alguma solução criativa pela criança. Mas é preciso dar tempo para que isso aconteça.

Qual a importância das férias para os professores?

“Comprar pão
Preencher ficha de matrícula
Ir a São Paulo
Marcar consulta do dentista
Trocar a pilha do controle remoto
Responder ao e-mail que ficou faltando
Apanhar a roupa na lavanderia
Pagar a conta de luz e gás
Levar o cachorro pra passear
Estudar para a prova
Conseguir o telefone da Dora
Buscar a prancha na oficina

Não necessariamente nessa ordem

Ufa!
Quanta coisa cansativa
Isso é uma roda-viva

Acho que vou adiar
E ficar de pernas pro ar”

[Ana Maria Machado]

Nossa prosa sobre férias escolares chega, enfim, às professoras e professores. Sabemos que a vida de educadoras e educadores nunca foi tranquila e, vale ressaltar que, em tempo de pandemia, os desafios foram ainda maiores: praticamente 24 horas correndo prá lá e prá cá, para além das didáticas e conhecimentos, tendo que aprender novas tecnologias e malabarismos para manter o interesse da turma.

Por isso, as férias são um tempo fundamental para um respiro mais demorado, no qual é possível sentir a expansão dos pulmões junto da brisa fresca da manhã.

É importante desacelerar, deixar o cérebro descansar e aproveitar o tempo para fazer com que ele  vibre em uma intensidade menor, com caminhadas e passeios sem pressa, além de uma leitura mais agradável ou uma pausa para contemplação da natureza. Nossa capacidade cognitiva agradece essa brecha. 

Outro aspecto positivo de diminuir o ritmo durante as férias é que, além de descansar a mente, as atividades mais tranquilas trazem conforto aos olhos – sempre tão atentos e requisitados no dia a dia da sala de aula. Dessa forma, buscar menos foco e mais amplitude ao olhar pode fazer muito bem à saúde da física da vista e mental.

Brincar: tecer sentidos e fortalecer vínculos

“É preciso brincar para afirmar a vida”

[Lydia Hortélio]

Para finalizar este texto sobre férias escolares, trago a brincadeira e o ato de brincar que é a linguagem da criança e seu modo de ser no mundo. E assim como a querida Lydia Hortélio, Vygotsky já apontava o brincar e a brincadeira como fundamentais no processo de desenvolvimento psicológico da criança, pois é por meio dessa ação que a criança desenvolve a imaginação, faz a tensão importante entre mundo imaginário e mundo real, desenvolve a função simbólica, a linguagem, a abstração do pensamento e tantas outras funções psicológicas humanas.

Portanto, brincar é um modo de existir e resistir no mundo, é um modo de, a partir de si mesmo, ir em busca do encontro e da partilha com o outro. Brincar é uma forma de liberdade que permite estar no aqui e no agora, sentir a presença do corpo e a materialidade das coisas e experimentar com espontaneidade as texturas todas que compõem a vida. Por isso, brincar é fundamental e as férias podem ser o momento em que o brincar atinge seu potencial máximo. 

Permita-se observar e permita uma criança brincar. Você vai sentir essa potência de encantamento com o mundo. 

Então, para encerrar brincando, deixo aqui algumas sugestões de atividades e espaços para aflorar o brincar nessas férias. Espia só!

Dicas de diversão com conexão:

Para dar um gostinho de possibilidades para umas férias escolares divertidas e cheias de conexão e histórias, seguem aqui umas dicas.

Passeios: 

Passeios que promovem contato com a natureza, com a nossa história, história da nossa cidade. A ideia aqui é sair das telas e nos conectarmos conosco enquanto seres de relação entre pessoas, cidade e a natureza.

  Mata Santa Genebra (é possível fazer passeios guiados por lá)

Maria Fumaça

Café com Trem

Parque Taquaral


Brinquedos e brincadeiras:

Atividades capazes de promover trocas com as nossas ancestralidades, com nossas relações, nossos valores e nossa essência.

Projeto Asas e Cores (dois agrônomos entomologistas que desenvolvem kits, como de ovos de joaninha, que possibilitam acompanhar o processo de desenvolvimento dos insetos. 

– Receitas em Família (experiência de levar a turma pra cozinha e testar as receitas familiares. A atividade cria vínculo e memória afetiva). 

– Contação de histórias da nossa família (uma rodada de histórias da família, contar de onde vieram, quais os hábitos, costumes, casos interessantes, os valores divididos e as conexões com a ancestralidade).


Para famílias que trabalham fora:

Aqui, escolhi espaços que proporcionam um brincar livre, exploratório, criativo, conectado com a natureza e a arte, longe das telas. Ou seja, uma oportunidade de conexão enquanto humano.

Casa Guaraná (espaço de brincar para contraturno escolar).

Quintal Borboleta (conta com espaço de coworking)

Tacatum.escola (artes e músicas)

Espero que este texto tenha dado a vocês um aconchego e reflexão quanto a este momento de férias escolares!

Um forte abraço e até a próxima!

 

Fontes:
Abril
Diálogos e Viagens Pedagógicas
Conexão Planeta
Lydia Hortélio
Instituto Tear
Memórias do Futuro
Lunetas
Ateliê Carambola