“Somos tipo
Passarinhos
Soltos a voar dispostos
A achar um ninho
Nem que seja no peito um do outro”
[Passarinhos – Emicida]
A família como um espaço de construção, de aprendizado, de ritmos diversos e afinamento coletivo, em todas e qualquer modalidade (tradicional, monoparental, homoafetiva etc.), seja com filhos biológicos, adotivos ou de parceiros. Quem me segue por aqui tem observado o quanto valorizo o trabalho com famílias, estudando constantemente para acompanhar pais e mães na composição de um núcleo capaz de acolher as individualidades e de fortalecer os vínculos, reconhecendo as complexidades humanas e do nosso próprio tempo contemporâneo. É para apoiar o compasso dessa dança que, enquanto psicoterapeuta, me dedico à orientação parental.
As primeiras experiências da criança têm origem no seio familiar, onde seus membros atribuem-lhe um nome, um lugar, um projeto de vida. É também no ambiente familiar que se inicia a formação da identidade da criança, abrangendo aspectos psíquicos, morais, sociais e espirituais.
Por mais que o discurso predominante nos fale que a parentalidade é uma maravilha, a verdade é que existe uma variedade imensa de desafios: o desejo de acertar; de não repetir os erros dos pais; a vida cotidiana, que nos engole a todos nos afazeres; as tarefas para manutenção da existência; as diversas “regras novas”; as pedagogias; e as promessas de não falhar. Enfim, são muitas camadas.
Sabemos ainda que em uma sociedade em constante transformação surgem sempre novos dilemas, provocando, em muitos pais e mães, a sensação de desorientação, a culpa, a falta de referências e de suporte. Esta realidade exige adaptações contínuas para assimilar novos conhecimentos e lidar com as complexidades do ambiente em que a sociedade e as crianças estão inseridas.
Mas acredito que mesmo diante das incertezas e receios, o encontro entre pais e filhos é sempre único e que cada família tem sua forma singular de ser e estar no mundo. Entrar em contato com a criança é visitar a nossa criança, os nossos medos, sonhos, desejos e mágoas, com um cuidado sensível para separar o que é nosso do que é daquela criança que está ali diante de nós.
Na corda-bamba da vida, a participação da família no desenvolvimento da criança deve envolver a adoção de medidas apropriadas, evitando superproteção ou negligência, e ajustando as ações conforme a idade e as capacidades da criança de forma a ajudá-la a reconhecer as suas potencialidades enquanto pais e mães também se (re)conhecem enquanto indivíduos.
Assim, como uma busca de alçar este voo juntos, a orientação parental fornece acolhimento, atualização, além da construção de recursos internos que levem ao desenvolvimento harmonioso do núcleo familiar e das crianças. Nos encontros da orientação a pais e mães, criamos um momento para mapear as interações familiares, identificar padrões, descobrir e discutir estratégias e práticas que promovam, primeiro, uma compreensão mais profunda do sistema familiar, e, assim, proporcionem um funcionamento mais mais fluido, onde todos possam se sentir pertencentes e acolhidos, mesmo com as diferenças – e apesar delas.
“O encontro com a criança desperta um misto entre o encantamento por elas e o desconforto do seu reflexo em minha criança interna, tocada intimamente, mesmo que sem qualquer permissão minha”
[Pajaro, 2020]
Desse modo, entendo que a orientação parental desempenha um papel crucial no desenvolvimento saudável das crianças e na dinâmica familiar como um todo, pois o ambiente familiar deve ser compreendido como um campo holístico, composto por diversas pessoas, saberes, desejos, medos, corpos, idéias, sonhos e apreensões.
Aqui, os pais são encorajados a considerar as interconexões entre os membros da família, reconhecendo que o todo é mais do que a soma das partes, ou seja, não é a soma das pessoas que faz a família, e sim o como essas pessoas se organizam. O compasso coletivo é que vai nos dizer sobre quem é essa família.
A orientação de pais é também um espaço onde convido pais e mães a examinarem eventos específicos vividos sob diferentes perspectivas, como um olhar caleidoscópico, que a cada ângulo nos ajuda a reconhecer como a mudança na percepção pode influenciar emoções e reações. Isso pode proporcionar aos pais ferramentas para melhorar a gestão de conflitos e promover uma comunicação mais eficaz.
Sonhamos sonhos compartilhados
Por isso nunca ficaremos ilhados
A força do abraço que nos dá coragem
A estrada mais segura pra seguir viagem
Cheirinho de família
É nossa preferida sensação
O amor é feito um laço
Que amarra firme cada coração
[Cheirinho de Família – Mundo Bita]
Sendo assim, com o objetivo de fortalecer laços, tecer histórias valiosas e promover cuidado, partilho com vocês a importância do suporte parental em algumas dimensões da vida:
- Vínculo emocional seguro: A orientação parental adequada promove o estabelecimento de um vínculo emocional seguro entre pais e filhos. Esse vínculo é essencial para o desenvolvimento emocional saudável da criança, proporcionando-lhe confiança e segurança emocional.
- Autoestima e autoconceito: Pais que fornecem uma orientação positiva e apoio emocional ajudam a construir a autoestima e o autoconceito saudáveis nas crianças. Isso contribui para que elas se sintam valorizadas e capazes de enfrentar desafios.
- Desenvolvimento social: A orientação parental desempenha um papel crucial no desenvolvimento das habilidades sociais das crianças. Pais que ensinam habilidades interpessoais e promovem interações sociais positivas contribuem para a formação de relacionamentos saudáveis no hoje e no amanhã.
- Gestão emocional: Os pais desempenham um papel central no ensino de habilidades de regulação emocional às crianças. Ao modelar comportamentos mais construtivos e proporcionar apoio emocional, ajudam a criança a compreender e gerenciar suas próprias emoções.
- Estabelecimento de limites e regras: A orientação parental pode ajudar os pais na compreensão de seus valores para que, assim, possam definir limites e aplicação de regras consistentes. Isso ajuda as crianças a desenvolverem um senso de responsabilidade, ética e respeito pelos outros.
- Comunicação aberta: Uma comunicação aberta entre pais e filhos é essencial para o desenvolvimento saudável. Os pais devem criar um ambiente onde as crianças se sintam à vontade para expressar seus pensamentos e sentimentos, promovendo assim uma compreensão mútua.
- Prevenção de problemas de saúde mental: Uma orientação parental positiva e eficaz pode desempenhar um papel preventivo na saúde mental das crianças. Ao oferecer suporte emocional, os pais ajudam a criar resiliência e a reduzir o risco de problemas de saúde mental.
A orientação parental é um fator-chave para o desenvolvimento saudável, para o cuidado com a saúde mental das crianças e também para o acolhimento de pais e mães, pois é a oportunidade segura para se compreender as dinâmicas, os valores, os medos e as potências de cada um e do conjunto familiar, que sempre se configura de maneira única.
Nesta dança da vida, nessa roda de encontros e desencontros, os pais e as mães vão percebendo que são eles que fornecem um ambiente de apoio, amor e orientação estão contribuindo significativamente para o bem-estar de seus filhos e para a formação de adultos emocionalmente equilibrados e socialmente competentes.
E tudo bem cair e levantar, rodopiar e ficar tonto, Como nos diz o querido Chico Buarque….
Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
[Ciranda da Bailarina – Chico Buarque]
Para além dos tropeços e pisões no pé, o mais importante é estar disposto e disposta a olhar as crianças e a família como um processo de desenvolvimento mútuo e contínuo.
Espero que este texto tenha contribuído para o olhar caleidoscópico sobre a paranteadaldie, apresentando novos ângulos e possibilidades de passos para esse movimento tão significativo que é a construção de um núcleo familiar. Caso você deseje continuar essa conversa, me envie uma mensagem e vamos bater um papo para que eu possa ouvir seus desafios e te apoiar nesta jornada.
Abraços,
Carol Freire
Referências:
SILVA, T. R; GONTIJO, C. S. A Família e o Desenvolvimento Infantil sob a Ótica da Gestalt-Terapia. Revista IGT na Rede, v.13, nº 24, 2016.
PAJARO, M; Estar-com Crianças: Em Busca da Linguagem Perdida. In: Sentidos em Gestalt-Terapia:Novas Vozes, Outros Olhares.