A vida é aquilo que acontece enquanto você está fazendo outros planos.
[John Lennon]
Vejo um feed interminável de novidades, me comparo às vidas perfeitas cristalizadas na tela, um único post dá a receita sobre como devo viver. Tem aquela festa que não fui, a exposição que não vi, a viagem que não consigo fazer. Como queria tudo isso! Anúncios pipocam para lá e para cá, me dando a sensação de que preciso de mais alguma coisa. Ufa! Isso lhe parece familiar?
Na mesma lógica das redes sociais, em que o constante sentimento de insuficiência se impõe, nossas vidas se transformam em uma corrida contra o tempo, em uma busca incessante pela performance em todas as dimensões. Para dar conta das demandas exigidas, sempre medidas pelo desempenho, vivemos como a bailarina e o equilibrista: tentando nos manter em pé!
Atendendo a pessoas de diversas gerações, sigo ouvindo histórias com sofrimentos que já chegam autorrotulados de “síndrome da impostora”, “fragilidade infantil”, “geração mimimi”, “fobia social” e tantos outros. A partir dessa escuta, me senti convidada a trazer uma breve reflexão sobre como pensar o sentido da vida diante dos valores neoliberais da sociedade contemporânea.
Afinal, se não podemos perder nada e temos que ter certeza de tudo, desempenho e eficiência se tornam aspectos centrais de nossas vidas. Mas, que vida?
A queixa do indivíduo depressivo, “nada é possível”, só pode ocorrer em uma sociedade que pensa que “nada é impossível”.
[Byung-Chul Han]
Na delicadeza de um bordado, em que cada ponto e linha constroem a trama da nossa existência, emergem as paisagens intrincadas da sociedade do desempenho, da sociedade de consumo e do sofrimento emocional. Neste sentido, estamos vendo os efeitos dessa dinâmica capitalista, utilitária e frenética: depressão, ansiedade, angústia. São dores provocadas por um esvaziamento de sentido, uma ausência daquilo que nos torna humanos – vividamente humanos.
Estamos correndo, fazendo, mas indo pra onde? Fazendo por quê?
Em meus atendimentos, tem sido doloroso acolher pessoas com os mais diversos diagnósticos de sofrimento mental. Muitas vezes, chegam com a afirmação de terem falhado enquanto sujeito, enquanto pessoa, como se realmente houvesse a falha e como se essa ‘falha’ estivesse descolada de uma sociedade que nos engole a todo momento.
Daniele Cajaseiras Matos, em artigo para a Revista Logos, sintetiza: “Em nossa sociedade contemporânea, os sujeitos são mais vulneráveis a manifestações psicopatológicas que envolvem sua autoestima e seu sentimento de despotencialização, já que há uma marcante exigência e valorização, pela sociedade, do indivíduo autônomo, bem-sucedido e belo.”
Em uma suposta tentativa de reconhecer o problema, o próprio sistema diz estar atento às nossas dores e incômodos. Para trabalhos precarizados, o discurso de flexibilidade e autonomia. Mas como descansar com os boletos que não param? Se não há direitos trabalhistas assegurados para quem empreende? Nas empresas, de que adianta ter benefícios para praticar atividade física, se não cabe na rotina usá-los? Se o “querido” vale-refeição é um prato devorado em minutos? Se o plano de saúde dá direito à psicoterapia, mas a sessão precisa ocorrer no carro, na hora do almoço ou na pressa da rotina?
É estar aqui e agora que é importante. Não há passado e não há futuro. O tempo é uma coisa muito enganadora. Tudo o que há sempre é o agora. Podemos ganhar experiência com o passado, mas não podemos revivê-lo; e que podemos ter esperança no futuro, mas não sabemos se haverá um.
[George Harrison]
Viver, no sentido de se permitir, de elaborar o que nos atravessa, não combina com esse tempo sempre atropelado com métricas e aparências. Adoecemos, porque sentir, refletir, dialogar, experimentar são verbos autênticos para que possamos ser preenchidos, nutridos pelo mundo e pela vida.
Uma existência que permite o risco, o gozo, a falha, as nuances.
Quem nunca errou nunca experimentou nada novo.
[Albert Einstein]
O que fazemos para lidar com esse sofrimento? Como podemos subverter a lógica que corroi possibilidades de escolhas legítimas e não ditadas? Ainda com as palavras de Daniele: “Hoje os problemas humanos são enfrentados mais em termos de “fazer” do que em termos de “ser”. Em outras palavras, se poderia dizer que hoje o ser humano está esquecendo que ele “é”, está perdendo a si próprio.” Pego esta linha para compor o que considero o antídoto para essa busca incessante do nosso tempo, tempo paradoxalmente tão agitado, mas que não nos permite o trânsito, o contato, o contágio.
Quando os valores centrais são o desempenho, a felicidade exibida, a aparência, há pouco espaço para o experimentar, testar, combinar, misturar. No entanto, uma vida vívida é impossível de ser asséptica, sem riscos e sem experimentação. A vida não tem um projeto para nós: somos lançados nela, simples assim! O mundo da vida, termo do filósofo Husserl, é o doador de sentido, e para reconhecê-lo e encontrar aquilo que nos abastece enquanto seres humanos, nos resta abraçar a experimentação como caminho e também como caminhada. Viver é um eterno arriscar-se!
Acrescento também que a felicidade, o sentido da vida, não está apenas na subjetividade, mas na intersubjetividade, ou seja, no entrelaçamento de nós com outros mundos, com a comunidade. Um contato importante para desvelar possibilidades de existência!
Assim, quando pensamos no sentido da vida, no que nos traz aquela felicidade pulsante, a psicoterapia se torna um espaço de acolhimento das dores, de elaboração e de criação (por que não?) de caminhos para afrouxar as rédeas da eficiência, do pragmatismo e do desempenho, trazendo à superfície, à voz, nossos desejos e projetos genuínos. Afinal, o sentido da vida é largo e profundo, onde cabe a exploração, a descoberta e a fluidez.
Espero que tenha gostado do artigo e conte comigo para continuar essa conversa, no seu ritmo.
Abraços,
Carol Freire